Algumas coisas que nunca vão te falar sobre viagens de mochilão
maio 19, 2019Trekking nos Lençóis Maranhenses
Imagine uma cena de filme, onde você é o protagonista e o cenário principal é um gigante deserto de areia com lagoas límpidas formadas pela água da chuva. Nesse deserto não há ninguém por perto, é tudo seu! E você não se cansa de olhar as dunas e lagoas que parecem que foram pintadas a mão. E quando o sol nasce e se põe, é um espetáculo indescritível.
Essa é a sensação de fazer o trekking nos Lençóis Maranhenses a pé! Veja neste post como foi o trekking de 50 quilômetros que fiz por lá!
Quanto tempo dura a travessia?
O parque nacional dos Lençóis Maranhenses já é um ponto turístico muito importante no Brasil, porém poucos sabem que há como fugir um pouco dos tradicionais passeios turísticos e explorar muito mais essa maravilha da natureza, da melhor forma: a pé!
Existe o percurso de 3 dias e o de 4 dias. Eu optei pelo de 3 dias e duas noites. Portanto meu roteiro foi: Barreirinhas, Vassouras, Atins, Canto de Atins, Oásis Baixa Grande e Lagoa Bonita. O trekking de 4 dias passa também pela queimada dos Britos.
Qual a melhor época para ir aos Lençóis Maranhenses
Antes de tudo saiba que as lagoas dos lençóis se formam com a água das chuvas que ocorrem entre janeiro e junho. Por isso a melhor época para se visitar os lençóis é depois da época de chuva onde as lagoas estarão cheias, ou seja, de junho à outubro. Eu fui em junho e foi lindo demais.
Como chegar nos Lençóis Maranhenses
Você tem acesso aos Lençóis Maranhenses pela cidade de Barreirinhas ou por Santo Amaro.
A forma mais fácil de chegar à Barreirinhas é ir até São Luis e de lá pegar uma van, ou pode-se ir de ônibus também. Porém a diferença de preço é mínima, então eu optei por ir de van, pois eles te buscam onde você estiver e te deixam na porta de sua hospedagem em Barreirinhas. Caso você opte em não se hospedar em São Luis, há como ir direto do aeroporto até Barreirinhas. Eu sinceramente achei São Luis uma cidade um tanto quanto perigosa. Se eu fizesse essa viagem novamente, certamente iria direto à Barreirinhas. Porém se você estiver muito cansado da viagem até São Luis, aí eu recomendo dormir em São Luis para descansar, pois serão mais 4 horas de viagem até Barreirinhas.
Como foi minha preparação para o trekking nos Lençóis Maranhenses
Quando pensamos em trekking imediatamente pensamos em condicionamento físico. Não vou dizer aqui que o trekking é fácil, pois você vai ver neste relato que foi bem cansativo. Porém a boa notícia é que você não precisa ser um atleta para fazer essa travessia. Mas lembre-se que são quase 20km caminhados por dia, entre subidas e descidas. É cansativo mas totalmente possível, caso você não tenha nenhuma limitação de locomoção. Meu problema maior foi o inchaço nos tornozelos e uma bolha no pé que me incomodou bastante.
Dessa forma se você gosta de uma aventura, faça o trekking! As paisagens que você verá são simplesmente lindíssimas! Agora se você quer mais conforto e valoriza isso, as opções de passeios sem fazer o trekking são várias. De uma forma ou de outra você vai se surpreender!
Chegando em Barreirinhas e preparativos para iniciar o trekking
Cheguei em Barreirinhas por uma das vans que levam de São Luis até lá e me hospedei no hostel Casa do Professor. O hostel é simples e organizado. O professor é super atencioso e prestativo. E não apenas isso, o café da manhã é simplesmente maravilhoso! Preparado pelo próprio professor.
Em seguida fui até a agência para me passarem as últimas orientações e depois junto com o guia Antônio fui ao mercado comprar algumas frutas e bolachas para comer durante a travessia.
O que você precisa levar
Sabe aquele ditado de que menos é mais? É isso mesmo! Deixe sua bagagem maior na agência e vá somente com sua mochila ataque. A caminhada por si só já é bem cansativa, imagina isso carregando peso nas costas. Ou seja, leve somente o necessário! Seja como for a agência vai te orientar, mas assim também segue aqui uma lista do que levar:
- 01 mochila pequena
- 01 roupa para dormir
- 02 shorts leves (para caminhada)
- 02 blusas de manga comprida e 01 regata
- 02 meias
- Roupas íntimas
- Protetor solar
- Chapéu ou boné
- Chinelo (esqueça o tênis, não vai te ajudar a subir e descer na areia mole)
- Produtos de higiene. Coloque em pequenos frascos, somente o suficiente para os dias de caminhada, para que não precise ficar carregando muito peso.
- Óculos de sol
- Câmera fotográfica ou celular (celular somente para foto, esqueça sinal e internet pelos 3 dias de caminhada)
- Carregadores para câmera e celular
- Frutas e snacks (opte por frutas que não estrague tão rápido)
- Água
- 01 toalha de rosto
É provável que os redários onde você irá se hospedar forneçam toalhas de banho, mas confirme isso com sua agência. É um peso a menos para carregar.
Relato do trekking nos Lençóis Maranhenses
1º Dia de travessia: 8km
Primeiras paradas: Vassouras, Farol de Mandacaru e almoço em Caburé
A primeira parte da travessia foi feita juntamente com um passeio tradicional, com outros turistas. O barco seguiu de Barreirinhas pelo rio Preguiças e fez sua primeira parada em Vassouras. Lá tem um ponto de apoio (restaurante), e vários macaquinhos, que fazem a alegria dos turistas. Os bichinhos chegam a subir em você para pegar comida! Contudo tenha cuidado com seus pertences, pois eles também podem carregá-los.
Logo após essa parada fizemos uma visita no farol do Mandacaru. Lá de cima há uma vista bem bacana e depois de descer antes mesmo de continuar o passeio paramos em uma barraquinha de caipirinhas com frutas locais. Se você gosta de um drink vale apreciar antes de seguir adiante.
Depois disso paramos para almoçar na praia do Caburé. Lugar turístico logo preço turístico! Achei as coisas absurdamente caras para o bolso de uma mochileira! Se quiser economizar, leve seu lanchinho. O bolso agradece. Todavia, se está no seu orçamento desfrute desse bom almoço.
Início do trekking e hospedagem no redário
Iniciamos nossa caminhada de fato logo após o almoço. O sol estava muito forte, e às 16 horas paramos para aguardar o calor diminuir um pouco. Seguimos viagem, eu, o guia Antônio juntamente com Hernan, um argentino que estava em viagem já há algum tempo. Assim que chegamos nas primeiras lagoas também conhecidas como pequenos lençóis meu queixo já caiu! Era lindo demais! Entretanto o nosso guia logo nos disse que aquilo ali não era nada ainda…a grande beleza dos lençóis ainda estava por vir. Seja como for o lugar é muito bonito.
Antes de mais nada aproveitamos para dar um mergulho nas lagoas e logo depois assistimos um pôr do sol daqueles de filme.
Assim que o sol se foi imediatamente caminhamos até o redário do Seu Antônio, em Canto de Atins. O lugar é super simples. Logo que você chega, escolhi a rede para dormir e eles me deram um lençol e uma toalha de banho. Como o redário é todo aberto e não há paredes, você vai precisar sim do lençol, pois bate um ventinho fresco a noite.
O lugar é bem simples porém muito acolhedor. Perrengue da noite: fui tomar um banho e havia dois lagartos e um sapo dentro do banheiro. E aí, como faz?
Em contrapartida a janta foi maravilhosa. A comida de lá é espetacular. Dividimos entre nós o famoso camarão grelhado e um peixe grelhado. Comida excelente e preço justo!
Lembrando que estávamos em um grande deserto, logo não há energia. Eles contam com um gerador que fica ligado até as 21hs no máximo, logo aproveite esse período para carregar seus aparelhos eletrônicos.
Fomos dormir super cedo, pois no outro dia acordaríamos as 3 horas da manhã para seguir viagem.
2º dia de trekking – Canto do Atins e Baixa Grande – 23km
Iniciamos nossa jornada as 3:30h da manhã, logo após tomar um café super simples (café e pão com margarina). Importante: se você tem alguma restrição alimentar, é melhor levar algumas coisas a mais para complementar seu café da manhã ou certamente ficará com fome. Porém não abuse, lembre-se que tudo que você levar na mochila não terá refrigeração e vai pesar nas suas costas.
Caminhamos por muitos quilômetros a beira da praia. Contudo essa parte hoje eu preferia fazer de quadriciclo. Claro que assistir o nascer do sol na beira da praia com o pé na água é surpreendente, mas por outro lado essa caminhada foi bastante cansativa. Como resultado meu tornozelo já estava do tamanho de um pão caseiro e começou a doer já nas primeiras horas. Foram 13 km de caminhada na praia nesta primeira parte do dia.
Cansaço e recompensas
Finalmente chegamos nas dunas. E aí começou o espetáculo…uma lagoa mais linda que a outra!
Cada lagoa tem sua particularidade…você encontra várias colorações, tamanhos, algumas secaram, algumas tem vegetação dentro e outras são extremamente límpidas. Algumas lagoas são antigas, algumas desaparecem e outras novas se formam com o passar dos anos, devido a força do vento que surpreendentemente vai desenhando esse cenário mágico juntamente com a água das chuvas dos meses anteriores.
Nós já havíamos caminhado muito! Meu tornozelo doía muito e comecei a fazer bolhas no pé. Ao mesmo tempo que tinha muita dor nos tornozelos, minha vontade de concluir o percurso era na mesma proporção das dores.
Segunda noite em redário
Chegamos no redário da Dona Dete e do Seu Moacir por volta das 12:30h. Dessa maneira o resto do dia foi para descansar e se preparar para o terceiro e último dia.
A dona Dete e seu Moacir são muito atenciosos. Fui muito bem tratada…dona Dete inclusive demonstrou certa preocupação com meu cansaço e com minhas bolhas, mas acreditou que eu aguentaria até o final.
Redário da Dona Dete e Seu Moacir Vista de dentro do redário
Para conseguir chegar ao banheiro, tive que “pedir licença” para os animais que estavam fazendo guarda por ali. O banho estava bom, porém sempre que alguém no banheiro ao lado ligava o chuveiro, acabava a água do meu chuveiro. Mas nada demais, consegui finalizar meu banho e descansar.
À noite chegaram mais alguns moradores locais, e fiquei de papo um pouco com eles. Pude entender um pouco melhor sobre o cotidiano deles e como eles admiram aquele lugar. Levam uma vida muito simples, mas são pessoas muito felizes com isso…pessoas muito do bem!
Era tanta paz naquele lugar, que ao pensar na minha vida corrida de cidade grande chegava a me causar certa perturbação.
3º dia – Baixa grande e Lagoa Bonita – 19km
Acordei sentindo muitas dores e com vontade de desistir…não sabia se conseguiria continuar pois meu tornozelo estava me matando, e as bolhas do pé não ajudavam em nada!
Caminhei a passos de tartaruga. Embora eu estivesse acostumada a fazer exercícios físicos, caminhar na areia, subindo e descendo duna, atravessar lagoas, alternar entre areia fofa e areia batida foi bastante cansativo. Minhas dores não estavam nas pernas, não sentia nenhuma dor muscular, mas minhas articulações, as bolhas e o tornozelo me matavam…a sola do pé parecia nem existir mais. A areia não é quente, mas de qualquer forma maltrata o pé. Cada passo era uma tortura.
Últimos quilômetros de caminhada
O dia começou a amanhecer e chegamos em um certo ponto que é impossível descrever a beleza do local. Ao mesmo tempo que eu estava muito cansada, nessa hora não senti mais qualquer dor quando vi aquilo tudo, ou seja foi uma injeção de ânimo para continuar até o final! Já estava decidida a continuar e assim foi. Tirei muitas fotos e fui até o final na garra.
A imensidão do deserto
Logo ao final do percurso tem uma bandeira laranja indicando o fim. Foi uma mistura de sentimentos quando agarrei a bandeira. Surpreendentemente eu tinha conseguido! Mesmo demorando 2 horas a mais do que a média, eu consegui! Não acreditava nas paisagens maravilhosas que eu acabara de ver e mal acreditava na minha superação. Aí está a prova!
Descansei um pouco no ponto de apoio, e ao final da tarde seguimos rumo a Barreirinhas, de jardineira. O motorista era meio doidinho, mas foi bem divertido.
Voltando para Barreirinhas
Cheguei em Barreirinhas já era noite e eu não tinha reservado hospedagem. Consegui um quarto na pousada da Deusa, bem perto do centrinho. A saber, a noite à margem do Rio Preguiças é bem bacana, com muitas mesinhas, barzinhos e música ao vivo. Porém o meu cansaço era tanto que eu apenas comi algo e por fim logo voltei para a pousada. E com a sensação de dever cumprido e superação! E se valeu a pena todo esse cansaço? Óbvio que sim! O lugar é coisa de cinema. Sem dúvida foi a paisagem mais incrível que vi no Brasil. Definitivamente é uma caminhada que recomendo muito aos aventureiros de plantão!
Conclusão sobre o trekking nos Lençóis Maranhenses
O que eu faria diferente
Em primeiro lugar eu não ficaria um dia em São Luis. Ou seja, se fizesse essa viagem novamente iria direto para Barreirinhas. Chegando no aeroporto até às 16 horas ainda é possível pegar uma van. Eles cobram em torno de 60 – 70 reais, considerando o valor da época, 2017, quando fui.
Não leve frutas que estraguem rápido visto que ficarão sem refrigeração durante a caminhada. No segundo dia as uvas e as ameixas que levei já estavam bem ruins.
Leve uma meia e use assim que sentir que seu pé está sendo maltratado. As meias ajudam a aliviar o cansaço nos pés. Você vai parecer um gringo usando meia na areia, mas é muito válido.
Recomendações
Primeiramente procure uma boa agência e um bom guia. Para mim o trabalho do guia Antônio e da agência Costa Leste foi impecável.
E por último, mas não menos importante eu não recomendaria fazer por conta própria esse trekking. Certamente eu não teria conseguido. Como é um lugar sem sinalização, assim sendo você precisa de um guia que conheça muito bem o lugar. Se perder naquela imensidão chega a ser perigoso.
O que mais aprendi fazendo o trekking nos Lençóis Maranhenses
Respeitar a natureza acima de tudo! Ela é responsável por coisas inimagináveis e paisagens magníficas.
É bom tirar o pé do acelerador às vezes. Desligue-se do mundo sempre que puder. Aliás três dias sem sinal de celular, sem redes sociais, sem qualquer notícia de nada, me fizeram muito bem.
Aliás estes 50 quilômetros de caminhada no deserto me fizeram pensar em muitas coisas, visto que foi um exercício de auto conhecimento, de colocar a cabeça no lugar, traçar novos objetivos e entender a diferença entre o que realmente é importante e o que é supérfluo.
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